O Risco do Reequilíbrio Econômico e Financeiro nos Contratos de Concessão de Rodovias.
- Linomar Deroldo
- 30 de ago. de 2021
- 5 min de leitura
Em geral nos preocupamos com a alocação bem clara dos riscos nas concessões de rodovias, e mitigamos a possibilidade de que aconteçam, quais sejam: dos projetos de engenharia, construção, performance, da demanda, político entre outros.
Mas um risco extremamente importante da concessão e que não temos o total domínio é do reequilíbrio econômico e financeiro. Não estou falando dos critérios e fórmulas contratuais, e sim dos processos que envolvem o assunto.
Vamos imaginar um contrato saindo agora com prazo de 20, 30 ou 35 anos, e exemplificar o que pode mudar:

Muito provavelmente teremos carros elétricos (próximos 5 a 10 anos as montadoras já prometem que não farão mais motores a combustão;
· Carros autônomos e semiautônomos, seria o fim dos acidentes?
· Sinalização horizontal que se projetam nos para-brisas, comunicação de fato entre as rodovias e os veículos;
· Cobrança free-flow, ou seja, sem cabines, somente por pórticos. Tecnologia já há, o que falta é legislação que garanta o pagamento, “enforcement”, mas há muitas maneiras de se resolver o assunto. Falarei em outro artigo próximo.
· E mais atual, a reforma tributária e lei das antenas.
E assim, poderíamos encher páginas, com possibilidades que se avizinham e que modificariam sobremaneira os contratos de concessão. Ai poderíamos estar nos perguntando: Mas não há as clausulas de reequilíbrio nos contratos, exatamente para este fim?
Existe e em geral são bem redigidos, ainda que causem visões diversas dos modelos adotados. Mas aqui vamos discutir um aspecto que provavelmente nenhum proponente de uma concessão aloca em seu plano de negócios, que é o “tempo e o desgaste para a sua efetivação”.
Desconheço concessões que não tenham grandes valores em discussão, envolvendo dezenas, por vezes centenas de reuniões e que se arrastam por meses e até anos sem solução e quanto maior o tempo mais difícil sua resolução. Podendo até terminar por vias judiciais e percorrendo vagarosamente por várias instancias. Há até casos em que a concessão termina e as matérias não se resolvem.
Podemos citar alguns exemplos:
No Paraná, matérias referentes as ações de governos entre 2003 e 2006.
Em São Paulo: a mudança de cálculo de arredondamento de tarifa de 2008 a 2010, troca de cálculo de IGPM para IPCA, o que for menor, ressaltando que este ano o IPCA fechou em pouco mais de 3% e o IGPM 23% (vamos ver quando será reequilibrado), inclusão de obras apenas com um despacho no diário oficial, resultando em anos para se realizar o Termo Aditivo Modificativo (TAM), revisão de reequilíbrio já pactuado, o caso de TAM de ampliação de prazo der 2006 que se arrasta nos tribunais, entre outros;
No governo Federal: lei dos caminhoneiros, revisão de obras, exemplo o contorno de Florianópolis que deveria esta pronto em 2013, só foi definido o reequilíbrio devido à uma mudança de traçado este ano.
Poderia citar mais uma infinidade de casos, mas acho que já ilustramos bem a importância e o efeito desastroso para governo, empresas e usuários.
E por que isso acontece? Vou descrever três importantes aspectos, que a meu ver impactam sobremaneira no processo da validação da matéria e dos cálculos, até a assinatura do TAM.
· Burocracia: As agencias trabalham de forma cartorial, sendo que os processos são avaliados de forma independente por departamentos. A concessionária protocola um pedido de reequilíbrio e segue o rito: é analisada pela área de investimentos (engenharia e obras), de operações, financeira e jurídico. Imaginem se no fim da análise um departamento pede uma alteração. O processo terá que ser revisitado por todos novamente. É um trabalho dispendioso e insano.
Minha sugestão é que se trabalhassem de forma matricial, com todos envolvidos analisando o processo ao mesmo tempo. Recentemente vi o ministro da infraestrutura fazer isso, para o reequilíbrio do contorno de Florianópolis chamou todos envolvidos numa sala e determinou o trabalho em conjunto, o que acelerou muito o processo.
· Recursos Humanos: Em geral, encontro nas agências, secretarias e ministérios, profissionais extremamente gabaritados e comprometidos. Pouquíssimas vezes me deparei com pessoas não preparadas e fazendo corpo mole, parasitas para usar um termo atual.
O que acontece é que muitas vezes a quantidade de profissionais são insuficientes, considere-se a burocracia que citei acima. E também o chamado apagão das canetas. Onde os técnicos têm receio de assinar alguma matéria que entende ser correta, mas controversa. Sabem que passado algum tempo podem ter que arcar com custos judiciais e de imagem para se defender, por vezes em acusações sem qualquer fundamento.
· Montante envolvido: Tem um ditado antigo que diz que quando a dívida é pequena o problema é do credor, mas se é grande, o problema é do banco. Aqui ocorre na mesma maneira, só que o problema é para ambos, e dói mais no bolso das concessionárias. Se for um alto valor e ser um assunto que envolve várias concessionárias, aí certamente não vai andar. Nestes casos podem ser usados como instrumento de solução um grande incremento na tarifa, ou quando possível em aumento de prazo, que são os mais utilizados. Todos os dois são aspectos que desagradam a população e causa grande barulho politico, portanto, são muito negativos para qualquer governo. Em todo governo que se inicia há uma forte vontade de resolver, mas quando se aprofunda na complexidade da matéria, é mais fácil deixar para o governo seguinte, e assim vai se arrastando de 04 em 04 anos, até que a justiça resolva para o bem de todos.
· Independência das agencias: Pelos explicitado acima podemos presumir que um aspecto falta às agências, que é a plena independência. A lei das agências, criada no governo FHC, até foi muito criteriosa em desenvolver instrumentos para a independência destas. Muita tem independência financeira, como o mandato de suas diretorias que não acompanham o mandato do poder executivo. Há tempos em que se esforçam para um certo distanciamento politico. Mas em geral a mão do governo é muito pesada e até mesmo o legislativo exerce um poder de pressão, que em certos casos, são devidamente em interesse de seus eleitores, o que por vezes a tecnicidade do comprimento do contrato não permite.
· Projetos de engenharia em geral: Aqui encontramos uma gama de problemas. Desde a falta de clareza e assertividade nas solicitações das agências, até falta de qualidade das concessionárias (mais raro nos dias de hoje), ou projetos que se preocupam com a melhor qualidade e esquecem a regulação existente. Quantas vezes vi projetos em que a qualidade é acima do mínimo das normas das agências, DNIT e DER, e que garantem maior conforto e segurança, serem preteridos em nome da modicidade tarifária, mas que no fundo procura-se preservar o CPF do gestor publico, até porque tudo que excede a norma pode causa polemica.
Poderia discorrer vários outros motivos, mas creio que os mais importantes sob o meu ponto de vista estão aqui descritos. Vejam que as regras contratuais em sua maioria são claras, mas envolvem tantos atores, tantos interesses, que se tornam de difícil resolução.
Agora é extremamente urgente que se dê relevância a esse aspecto, pois se formos materializar os custos paras as partes, poderíamos chegar a cifras tão grandes que excederiam todos os demais riscos da concessão. O governo federal esta promovendo uma interessante iniciativa de se trabalhar por processo e não por contrato o que poderá otimizar e escoar essas pendencias. Oxalá de certo.
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